sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Vidas #1 (3)

[continuação]


Quando ouve as colegas do escritório, umas que fazem assim, outras fazem assado, algumas comem por fora, outras andam na internet, sente-se uma desnorteada, imprestável até para arranjar quem lhe mate a fome. Não conta às colegas que passa meses sem que as mãos do marido lhe procurem o corpo largo e que já foi tempo em que lhe sentia a língua, ávida pela sua língua, que minetes, nunca lhos tinha feito. Talvez tenha nojo. 
Quando, depois de deitar os miúdos, lhe nota algum gracejo mais tosco e ele lhe dá uma palmada no rabo, coisa que detesta, tal é o paternalismo, sabe que é o sinal. Desliga a televisão e vão juntos para a cama. Deitados, tudo não passa de um encosto por trás, meia dúzia de estocadas e um fraco resfolgar final. Para ela, é apenas um frete ocasional, que pela obrigação que julga ter, faz sem mostras de má-vontade. Não atinge o orgasmo, mas ele também não pergunta. As raras palavras que trocam, são sempre iguais, estás seca, ao que responde, desculpa. 
Que está seca, Elisabete sabe-o há muito. Não é apenas a vagina que se recusa a lubrificar-lhe o acto, tomando a carne que entra, com a dificuldade de quem se recusa a comer, são também os olhos que se recusam a olhar o corpo nu e as mãos que raramente lhe afagam a pele. Sente-se miseravelmente infeliz, mas não se queixa, como poderia, tem saúde, um marido que a ajuda e dois filhos maravilhosos. 






4 comentários:

  1. Não sei se é a tua primeira incursão por estes meandros, mas há um classicismo que reverbera pelas tuas linhas de texto. O blog revela fragmentos através das participantes: ou é didático, ou é furtivo no atrevimento selvático, ou embrulha erotismo em linhas de texto que se cosem com laivos artísticos.

    Meninas, que está pujança inicial se mantenha... E tu Vera, conto ver-te além destes contos (de "to be continued...")... Questiono-me sobre possíveis poemas que brotem dai... E sobre parágrafos supra-pessoais, repletos de simbolismo. Mas isto sou eu a divagar, cogitando sob o espetro da minha percepção.

    Beijo enorme.

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  2. Eros, assim fico sem graça e sem jeito para responder.
    Agradecemos todas com muitos beijinhos.

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  3. Minha amiga, é tão bom ler-te. Ai de ti que pares.

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