sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Vidas #2

Tempos houve, em que os seus lábios tremiam de excitação, perante aquela boca travessa, que lhe sorria sempre que os olhos se cruzavam. 
Tinha comemorado os quatro anos de casamento em Maio; no berço, como esperado, dormia um pequeno Filipe, filho desejado, neto (único) adorado. Não se podia queixar da vida que levava, um marido que a mimava, dono de uma bonita conta bancária e que nunca se lhe negava a nenhum dos seus caprichos. Férias na Grécia, closet recheado, carro novo alemão. A vida tinha-se organizado, melhor ainda do que havia sonhado. Tinha sido o marido também, quem lhe tinha arranjado o emprego, numa das empresas sua cliente. De mera secretária de administração, passou a directora dos recursos humanos. Estava radiante. Sabia o efeito que produzia nos homens. Cabelos loiros, sempre cuidados, roupa atrevida, mas de boa qualidade, sapatos altos, nem que fosse para levar o cão a mijar. Mais de metade do trabalho, estava feito, depois bastava sorrir, ouvir sempre com atenção e  finalizar concordando. Julgou, por isso, que o sentimento que a unia ao marido fosse coisa para durar, interesses comuns, base sólida que não valia a pena lascar por algum engate com colaboradores ou paquetes de entregas. Continuava a flirtar-lhes os biceps e o fecho das calças, enquanto molhava os lábios sequiosos, se algum lhe alterava a respiração, mas segurava a ponta, pensando na boa vida que não queria perder, o salário acima dos dois mil e quinhentos, que ainda lhe parecia mentira.
Por tudo isso, não entendia como podia sentir-se tão cativa daquele homem. Presa por um olhar que tanto lhe prometia prazeres incalculáveis, quanto a desprezava simpaticamente, algo a que não estava habituada. Da excitação inicial, passou à total submissão e entrega. Inventava mil desculpas, para sair mais tarde, mil relatórios, para trabalhar aos sábados, mil reuniões no Porto, para dormir fora. Culpava-se pelo bebé, que a sua mãe cuidava, fazendo as suas vezes, arriscava nas mentiras, mas não conseguia parar. Habituada a vencer, aquela relação tomava-a com uma febre, roubava-lhe o discernimento, e, no escritório, os murmúrios aumentavam de tom. De dia para dia, aumentavam as piadas à sua passagem pelas secretárias.  Em casa, o clima era tenso. Vivia num medo permanente. Mantinha o telemóvel sem som, escondido no bolso, limpava o histórico do portátil, com uma precisão compulsiva. A muito custo se retraia, para não voltar ao vicio antigo de fumar. O marido, dirigia-lhe cada vez menos a palavra e sempre que a olhava, o rosto gelava. O mundo perfeito desmoronava-se. 

[cont.]

7 comentários:

  1. (vou comentar este também, para fazer de conta que alguém lê isto)

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    1. A menina deixe de ser parva, sabe muito bem que é lida. Não há é nada para comentar, é para ler. Continue, se faz o favor!

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    2. Agora percebo porque é que a Mariazinha que chama de Patroa ;)

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    3. Essa menina anda a precisar é de um correctivo. Até hoje, nadica de nada.

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    4. Bem, sendo assim eu também comento, só porque sim... :P
      Queremos que a nossa Verinha fique muito inspirada para continuar a trazer-nos estas divagações ;)
      Por falar na Mariazinha, onde é que ela anda?
      E a Lady Purple? Essa nem nos comentários se atreve... se não fosse tão tímida...

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    5. Tudo uma cambada de molengonas, têm que ser corridas à paulada :D

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    6. Se vais começar a distribuir paulada então também deixo de escrever, pode ser que me calhe a mim também eheheh :P

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